Entrevista com o ator espanhol Javier Corral

Javier Corral

 

UM TEATRO FEITO PARA DRIBLAR A FOME DE TEATRO

 Por Marco Vasques e Rubens da Cunha

 Javier Corral é ator, diretor e dramaturgo. Possui mais de 20 anos de atuação no cenário teatral da Espanha. Nesta entrevista, ele nos fala de seu processo criativo, dos projetos em que está envolvido, como o curioso “Microteatro por dinheiro”, uma maneira que as gentes do teatro encontraram para romper os ditames do circuito comercial e da falta de apoio. Javier também lança um olhar sobre os problemas encontrados na Espanha, sobretudo, em relação ao teatro e à cultura de um modo geral. Recentemente, parte de seus trabalhos como ator e diretor foram expostos no Centro de Arte Rainha Sofia, dentro da exposição “Feito em casa 2014”.

 Vamos começar pelo básico: quando você decidiu se tornar ator? E qual foi o seu processo de formação?

Com apenas dezesseis anos, tive meu primeiro contato com a televisão de maneira muito casual e aí começou aquela coceira, aquela vontade de fazer. Assim, meu processo de formação começou na Escola “Los Castillos”, em Madrid. Eu ia ali escondido de minha família, mas ainda não sabia que queria ser ator. Descobri interpretando um papel masculino em Orquestra de senhoritas, do Jean Anouilh, nessa escola. Depois passei por muitos lugares: a Real Escola Superior de Arte Dramática, a Escola de Artes da Província de Buenos Aires, oficinas, aulas magistrais, a partir das quais fui elegendo meu próprio método para afrontar e enfrentar os personagens.

Percebe-se no seu trabalho uma grande variedade de personagens feitos para televisão, cinema e teatro.  Qual é o seu processo de preparação?  Há diferença entre um meio e outro?

Em cada personagem houve um processo, porém não sou dos atores que complicam muito. Costumo atirar-me na piscina com a boia da intuição e escutar atentamente as indicações do diretor. Trabalho a partir da verdade e crendo 100% em minhas ferramentas. Não dou muita bola para a insegurança. Caso os personagens já tenham tido um longo caminho, são eles que me guiam até saber como ou quem são. A diferença entre um meio e outro, basicamente, tem a ver com o tempo que você tem para se preparar. Trabalhei em séries nas quais insistiam para que eu esquecesse de toda minha aprendizagem anterior, para que se privilegiasse a imediatez. Houve outros nos quais eu pude desfrutar conhecendo o personagem, recriando-me nos detalhes. Habitualmente, no teatro e no cinema, costuma-se dispor de tempo suficiente para que o resultado final esteja à altura das nossas pretensões.

Uma das peças que você dirigiu tem o sugestivo nome de “mis padres no losaben”. Ela trata da questão da homossexualidade e da família. Como se apresenta, ainda em 2014,tal questão na sociedade espanhola?

Mais do que da homossexualidade, a peça fala da falta de entendimento entre os seres humanos; do respeito, da liberdade de amar sem preconceitos. Ao menos, eu tratei de dar mais importância à afetividade que à condição sexual. Qualquer pessoa que não se entendeu com seus pais poderia sentir-se identificada com os personagens e suas histórias. Na Espanha, se te aproximas de gente com cultura e respeito ao próximo, não terás nenhum problema com o que faças na cama, em tua intimidade. Porém, sabemos que na Espanha não existe toda a educação que desejamos e isso deriva, muitas vezes, em falta de respeito.

Ao observar a cena teatral de Madri, percebe-se o predomínio de um teatro bastante comercial e, em certo sentido, conservador. Como você avalia a cena teatral mais periférica, mais experimental da Espanha? Como está se dando a pesquisa por novas linguagens? Como se mantém as companhias de teatro que não são tão comerciais? Como você avalia a política cultural da Espanha?

Tanto dentro do teatro experimental como do teatro comercial há peças boas e más. É certo que o teatro comercial trata de agradar a um público mais amplo. A Espanha não é um país que se arrisca, precisamente, nem em cinema, nem em televisão, nem em teatro. Acomoda-se no fácil e barato e, de vez em quando, uma proposta mais arriscada tem êxito e passa para os circuitos comerciais. Penso que a busca de novas linguagens nasce do sofrimento, das vontades, das emoções em situação limite. O risco aparece quando a gente se encontra na dúvida entre abandonar ou ir com tudo, aí é quando se arrisca e surgem as ideias e linguagens surpreendentes. Outra coisa é como fazer com que o público possa valorizar esse tipo de linguagem diante da situação cultural em que está a Espanha. A política cultural na Espanha é uma piada. O artista nesse país não é valorizado além do divertimento, ou daqueles momentos de folga no fim do dia. O povo espanhol, em sua maioria, não sente a arte como algo necessário. A isso podemos chamar: falta de educação. Enquanto na escola for mais importante aprender matemática ou religião do que aprender a cantar, tocar um instrumento ou fazer teatro, o artista seguirá sendo difamado, ofendido, porque desde pequeno é que se educa na ignorância do que realmente pode nos fazer cultos. A cultura não interessa, por isso não nos ensinam na escola.

Você participa de um projeto chamado “Microteatro por dinero”. Poderia nos falar em que constitui tal projeto?

O projeto nasceu em 2010. É uma sala onde se representam pequenas peças com uma duração inferior a quinze minutos. Participei dirigindo nove peças breves e, na última, também interpreto junto com o ator Alejandro Terán. O título é For de hair e tivemos a oportunidade de realizá-la em Madri bem como na antiga cadeia de Segóvia, reestruturada para fazer teatro nas celas.

Você está envolvido com a peça Fearindustry, sob a direção do alemão AchimWieland.  Do que trata esta peça? Ela está dentro de um projeto teatral do diretor? Em que consiste esse projeto?

Na verdade, estou num processo de investigação, ainda não começamos a ensaiar. Fearindustryfala precisamente disso: o medo. O projeto é muito ambicioso, pois o diretor quer contar com um mesmo elenco, porém integrando uma parte distinta em cada país onde a obra se apresente. No caso da Espanha, me ocuparei de dirigir, escrever e interpretar essa parte que pode ter uma duração entre vinte e trinta minutos aproximadamente. Neste momento, investigo sobre o medo do suicídio e, por conseguinte, da morte. Minha proposta será arriscada, respeitando sempre o estilo e a pegada que Achim tenha dado à obra. Por certo, minha dose de comédia estará muito presente e, tendo em conta a temática, sei que desestruturará bastante.

Vamos fazer uma pergunta complexa: o que é teatro para você?

É uma via de escape, um grão no cu para os políticos conservadores, uma terapia para o doente, um espelho onde se reflete a loucura que todos levamos dentro. O teatro é minha casa. É no palco que escapo desta vida e transito por aquelas que as circunstâncias não me permitiram viver.

De todas as experiências teatrais transgressoras do século XX, com as quais você mais se identifica?

O teatro de Bertolt Brecht e sua ideia de que o público veja como se faz a peça; seu ideal de que o teatro realmente poderia mudar o mundo, ideal quimérico, sob meu ponto de vista, porém que conseguiu despertar algumas consciências com sua radical oposição à forma de vida e à visão de mundo da burguesia. Por outro lado, Rainer Werner Fassbinder foi outro revoltado do teatro do século XX. Gosto muito como ele é capaz de falar de política e emoções, de mesclar ambas as paixões, de falar da mulher, da homossexualidade, definitivamente, ele fala dos recôncavos do ser humano.

 

 

 

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